14 de março de 2012

Direito de resposta


Um site de notícias baiano publicou recentemente uma entrevista com o atual Diretor da SUCOM, o Sr. Claudio Silva, na qual o entrevistado tenta desqualificar o movimento popular que se opõe as barbaridades realizadas pelo atual prefeito de Salvador, o Sr. João Henrique Barradas Carneiro. Um dos integrantes do movimento Desocupa entrou em contato comigo para que eu escrevesse uma resposta às colocações feitas na entrevista. Inicialmente recebi com certo desconforto a tarefa nada inspiradora de responder ao diretor da SUCOM -- sou partidário de Oscar Wilde que diz: “escolho meus amigos pelo caráter, meus companheiros pela aparência e meus inimigos pela inteligência”. Para mim, responder a colocações tão infelizes era meio que “chutar cachorro morto”. O (Al) Corão ensina que “o silêncio é a única resposta que o tolo merece”. Mas não foi me solicitado o silencio e sim um encadeamento lógico de palavras. Assim, mesmo diante do desestímulo, produzi o que segue. O texto não foi oficializado como a resposta do Desocupa, por ter sido considerado “pouco institucional”. Reproduzo a resposta que redigi no meu blog para torná-la pública e chamar a atenção para a “local simbólico” que habita as ideias de determinadas pessoas, na qualidade de representantes do Estado. Clique aqui par ler á íntegra da entrevista.

Prezado Diretor da SUCOM:
Sr. Claudio Silva,

O senhor Nos chamou de “jovens inocentes”. Estamos nos manifestando para informar que nós aceitamos a alcunha. Sim, somos inocentes! Somos inocentes porque nos recusamos a aceitar o desvio como norma, a transformar o erro em modus operandi. Somos inocentes porque acreditamos em princípios, em ética, na democracia regida por leis e no inalienável valor de igualdade entre os homens.

Somos jovens, de todas as idades, inocentes, idealistas e sonhadores; embora saibamos que é preciso estar muito acordado pra ser capaz de sonhar com uma cidade na qual o ordenamento do uso do solo não esteja dado em função do enriquecimento de uma minoria, que ignora a legislação, na certeza de que o mau funcionamento da máquina jurídica garantirá a impunidade.

Não só somos inocentes, como também somos educados, cultos e temos o discernimento (que talvez lhe tenha faltado) para perceber que um funcionário do Estado que tem a pachorra de declarar, em uma entrevista a um órgão de imprensa, que o cidadão para quem ele trabalha é dotado de “malandragem” definitivamente não pode estar alinhado em defender os interesses de quem ele chamou de “malandro”. Apesar de sermos inocentes, não vamos fingir que não vimos que o senhor se referiu ao povo baiano nesses termos. Somos inocentes, mas não podemos aceitar uma política pública que nada mais é do que o reflexo desse pensamento de que o cidadão baiano deva colocar-se em subserviência absoluta a quem “chega de navio”. Não importa de que forma o senhor chegou a tais conclusões, camarotes não podem ser tratados como política de segurança pública. E, se o Estado (caso o senhor não tenha se apercebido, seu cargo confere à sua fala o caráter de oficial) identificou a necessidade de proteger o cidadão de malfeitores, que essa proteção seja oferecida para todos os cidadãos de bem, sem distinção, e não somente para meia dúzia de favorecidos; principalmente se o critério de seleção for o fato dos escolhidos terem “chegado de navio”. Aliás, a despeito do que o senhor possa ter apreendido dos fatos da ordem da realidade, navios são tão somente um meio de transporte, assim como qualquer outro. Eles (os navios) não têm a capacidade -- ou, pelo menos, não deveriam ter -- de conferir qualquer atributo especial que qualifique uma pessoa a ser protegida pelo Estado.

Somos inocentes porque reafirmamos a soberania do povo baiano. Soberania que foi conquistada a preço do sangue de muitas lutas. Somos inocentes porque acreditamos que a função dos representantes do Estado é unir e coadunar o povo em torno de seus valores, cultura, tradição e História. Não podemos aceitar um modelo de gestão que crie categorias diferentes de cidadãos, separados, classificados e ordenados pela quantidade de dinheiro que cada um dispõe para pagar por serviços cuja razão de ser do Estado é assegurá-los a todos sem distinção. Gestão que cria ainda mais cisão em um tecido social já tão corroído pelo destrato e desamparo para com aqueles cujo suor ajudou a construir a riqueza do nosso Estado.

Somos inocentes porque continuamos acreditando no estado democrático de direito, mesmo diante das vistas grossas que a máquina jurídica tem feito ao desfile de irregularidades relativas ao manejo do espaço urbano, incluindo aí a destruição das últimas áreas de Mata Atlântica da cidade: perda irreparável de um patrimônio que pertence à sociedade.

Por falar em sociedade, entre as muitas colocações desafortunadas que o senhor fez na entrevista ao www.bahianoticias.com.br, houve a acusação de que o Desocupa estaria promovendo a ruptura do pacto social. Somos inocentes o suficiente para responder a essa colocação, mesmo sabendo se tratar de mero sufismo. Ao contrário do que o senhor possa dizer, o Desocupa nasceu da constatação de que o pacto social tinha sido rompido não uma, mas diversas vezes, por parte dos que promoveram e/ou permitiram o desrespeito às leis para beneficiamento próprio.

Por fim, não podemos deixar de pontuar outra colocação do senhor, que dizia que o movimento em Salvador deveria chamar-se “Ocupa”, como aconteceu nas demais cidades do mundo inteiro. É nosso sonho acompanhar o mundo e sugerir a ocupação do espaço público pela sociedade civil organizada. Contudo, em Salvador, o espaço público já estava ocupado por camarotes, obras ilegais e demais irregularidades. Acreditamos que o senhor, na qualidade de diretor da SUCOM, deva conhecer a impossibilidade de dois corpos ocuparem o mesmo espaço. A dinâmica particular da capital baiana conferiu ao movimento a necessidade de desocupar para depois ocupar. Portando, não é nada pessoal, só uma questão de física mesmo.

Assim, Senhor Diretor da SUCOM, expostas nossas questões, e, sendo ponto pacífico que somos inocentes, damos continuidade ao debate (sim, ele já começou) e devolvemos a palavra ao senhor, para que nos responda: 

quem são os culpados?


2 comentários:

Anônimo disse...

Pérsio, acreito que o texto escrito por você foi de tamanha grandeza que o Sr. Diretor da SUCOM não terá capacidade para respondê-lo. Acredito que se ele apenas souber interpretar o texto, já está de bom tamanho!

Abraço.

Júlio César/Belo Horizonte/Minas Gerais

Pérsio Menezes disse...

Júlio, obrigado pelas palavras. Seu comentário está bem no estilo da resposta. Você é dos meus.